Como mensurar a participação da sociedade nas consultas públicas de saúde para uma tomada de decisão mais transparente e sistemática?
São diversos os desafios para a participação social em ATS – Avaliação de Tecnologias em Saúde no Brasil. Posso trazer a falta de conhecimento da população sobre os processos, a dificuldade em se cadastrar na ferramenta gov.br, onde as consultas públicas da Conitec, por exemplo, estão hospedadas, entre muitas outras coisas.
Mas, gostaria de destacar uma – a descrença das pessoas que sabem que é possível participar das decisões em saúde e conhecem os caminhos para fazer isso, mas escolhem não o fazer por acharem que a opinião da sociedade não será levada em conta pelo governo na hora da avaliação final.
De fato, apesar de existirem ferramentas claras para a participação da sociedade, como as consultas públicas e audiências públicas da Conitec e ANS, ainda não é claro de que forma essas contribuições são avaliadas e os critérios levados em conta na hora de reverter ou não um parecer preliminar.
Fiz uma pesquisa (veja detalhes da análise aqui) no site da Conitec, e das 17 consultas públicas que foram abertas em 2023 pela comissão e publicadas no DOU, 3 tiveram reversão de parecer desfavorável para favorável à incorporação. Já em 2022, das 109 consultas públicas abertas, 12 tiveram reversão de parecer. Ou seja, de 126 CPs analisadas, apenas 11,9% tiveram uma mudança de opinião por parte da equipe avaliadora após a consulta pública. O que levou a essa mudança? Que tipo de dado ou argumentação da sociedade fez com que os avaliadores percebessem o valor daquela tecnologia para além do custo-efetividade?
Outro estudo com o mesmo propósito, que analisou as consultas públicas abertas pela Conitec entre 01/01/2012 e 31/12/2017, mostrou que das 205 consultas públicas abertas no período, em 13 delas, ou seja, 9%, houve reversão de recomendação da decisão preliminar, todas no sentido de não incorporação para incorporação.
Analisei os relatórios de 2022 e 2023 das tecnologias que tiveram reversão de parecer, e percebi que algumas dessas mudanças vieram por conta de novas negociações de preço, ou seja, a manifestação da sociedade não impactou nesse resultado.
Já outras que passaram de parecer preliminar desfavorável para decisão final de incorporação tiveram um grande número de manifestações, porém sem qualidade, com a maioria das respostas discursivas deixadas em branco.
Por outro lado, algumas consultas públicas que também tiveram reversão do parecer, tiveram baixo número de contribuições, mas receberam informações e dados relevantes de pacientes e sociedade em geral. Essa dúvida sobre os critérios levados em conta na análise das contribuições nas consultas públicas afeta a vontade do cidadão de participar das decisões.
Estabelecer dados e critérios para as avaliações em ATS é tão importante que, não à toa, pelo menos no que tange as discussões de custo e eficácia, foram criados em 2022 pela Conitec os limiares de custo-efetividade, que definem um teto de valor per capita que deve ser investido pelo sistema de saúde por QALY (unidade utilizada nas metodologias de ATS, que considera anos de vida ajustados à qualidade). Inclusive, a ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar anunciou que também pretende definir parâmetros de avaliação econômica e limiares de custo-efetividade.
Deixo de fora qualquer juízo de valor sobre os limiares, que geram discussão já que os valores-referência podem excluir terapias de alto custo, como as utilizadas em muitas doenças raras. O ponto aqui que ninguém pode negar é que os critérios estão claros, transparentes e objetivos e todos sabem o que esperar nas análises de incorporação de tecnologias em relação à avaliação de custo-efetividade.
Infelizmente, ainda não podemos dizer o mesmo sobre as análises da participação da sociedade nesse processo, nem para o sistema público de saúde e nem para o privado. O que tem mais peso, quantidade ou qualidade de contribuições? O que significa qualidade? Que tipo de informação ou argumentação é importante ou até mesmo crucial para mostrar aos técnicos que avaliam as manifestações da sociedade o valor de uma tecnologia para os pacientes? E o que significa valor neste caso?
Essas perguntas ainda não têm respostas objetivas e isso desanima na hora de participar de uma decisão em saúde.
Já existem diversas metodologias para analisarmos dados quantitativos, o que facilita a definição de métricas e indicadores para se chegar em algumas decisões. Mas, se metodologias fossem criadas também para analisar os dados qualitativos de uma consulta pública de forma sistêmica, os resultados dessa análise poderiam ser mais transparentes, e isso é fundamental principalmente por se tratar de um assunto tão sensível e que influi diretamente na vida dos brasileiros.
Na Colabore com o Futuro constantemente buscamos por soluções que aumentem o engajamento da sociedade nas decisões em saúde e que facilitem o entendimento sobre os processos. E pensando na participação da sociedade em consultas públicas da Conitec, chegamos em duas reflexões:
1. Seria importante termos um formulário de consulta pública específico para pacientes, assim como temos para os profissionais da saúde. Esse formulário poderia analisar não somente a experiência do paciente com os medicamentos, exames e procedimentos avaliados e possíveis concorrentes ou substitutos, mas também considerar como a doença afeta o dia a dia do paciente, quais sintomas a doença traz, o que aquela pessoa espera daquele tratamento.
2. Se fosse possível a criação de uma metodologia de análise dessas informações, com parâmetros e métricas que ajudem a mensurar esse impacto e expectativas da sociedade em relação à tecnologia, a análise e seus resultados provavelmente seriam mais transparentes
Quando olhamos para o NICE, no Reino Unido, em que o envolvimento dos pacientes em ATS está bem evoluído, percebemos um avanço grande nesse sentido, com questionários específicos para diferentes stakeholders, e perguntas mais aprofundadas sobre o dia a dia do paciente e seus desafios.
É nítido o impacto positivo da participação da sociedade, em especial de pacientes e cuidadores, no processo de ATS no Brasil e no mundo. Eles podem oferecer conhecimento único sobre viver com determinada condição, inclusive os impactos em sua vida e trabalho, e conseguem explicar vantagens e desvantagens das terapias que podem não estar publicadas na literatura.
A importância do envolvimento dos pacientes em ATS tem sido amplamente reconhecida. As decisões de avaliação de tecnologias em saúde afetam diretamente suas vidas, e como atores chaves, eles têm o “direito democrático” de serem envolvidos nessa decisão.
É nítido que a Conitec reconhece isso e cada vez mais cria espaços e ferramentas para essa importante participação do paciente no processo. Mas, aprimorar essa metodologia de participação e escuta do paciente no Brasil principalmente no que tange a sistematização dos dados ainda é um desafio.
Por isso, a Colabore está propondo uma iniciativa que prevê a proposição da revisão do formulário de opinião do paciente disponibilizado nas consultas públicas da Conitec. O objetivo final será propor, através do diálogo, um formulário que possa integrar na tomada de decisão da Conitec as evidências que reflitam as preferências e necessidades da sociedade, além de cocriar com diferentes atores soluções para coleta e mensuração dos dados.
Pensamos em uma proposta inicial para a revisão do formulário, a qual levamos em consideração o formulário utilizado hoje pela Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde) o formulário de pacientes utilizado pelo NICE (National Institute for Health and Care Excellence) do Reino Unido, e guidelines sobre o tema desenvolvidas pela Eupati (European Patients’ Academy) e pelo HTAi (Health Technology Assessement International).
Convidamos a todos para contribuir nesse processo, colaborando na construção deste formulário.
Vamos juntos colaborar com o Futuro da saúde e da participação social do Brasil!
Artigo escrito por Carolina Cohen, Cofundadora da Colabore com o Futuro. Carolina foi escolhida como Estée Lauder e Vital Voices Top 50 Global Women Leaders e eleita uma das seis empreendedoras e inovadoras mais admiradas em saúde por meio de votação popular promovida pelo Health Innova Hub.
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