Sou engenheira química de formação e trabalhava em uma consultoria de meio ambiente e segurança do trabalho para grandes empresas. Conversava com profissionais de diversas áreas, alguns dos quais há quarenta anos na mesma empresa. A maioria deles tinha certa desilusão com a vida.
Reclamavam do trabalho, da falta de opções, e eu ficava chocada de ver que as pessoas não tinham reserva financeira para poder viver uma aposentadoria digna e feliz, após quarenta anos de trabalho. Aquilo realmente me incomodava muito. Por outro lado, eu tinha um exemplo muito forte do meu pai, que construiu um patrimônio sem ajuda da família ou herança. Sempre cuidei bem do meu dinheiro, na minha casa me chamavam de caixa forte.
Comprei um livro de finanças pessoais e fiquei encantada, pois percebi que eu já seguia muitas das recomendações intuitivamente, como herança do aprendizado com meu pai. A companhia em que eu trabalhava pertencia a um grupo de várias empresas, entre as quais um fundo de investimentos em ações. Certo dia, encontrei o gestor do fundo, que me contou sobre sua atividade.
Comecei a aprender sobre investimentos e fiquei fascinada, principalmente quando percebi que existiam muitas opções fora dos bancos e que elas podiam ser utilizadas por qualquer pessoa, bem diferente do que eu imaginava. Até então, eu achava que esses fundos eram só para quem era muito rico.
Após alguns anos de conhecimento e prática, comecei a ajudar colegas de trabalho a melhorar o retorno de suas aplicações financeiras. Naquela época, eu viajava muito a trabalho e queria ter filhos. As duas coisas não combinavam.
Com 30 anos, eu tinha um dinheiro guardado e estava insatisfeita na empresa. Decidi sair para construir uma nova carreira, no campo dos investimentos e do planejamento financeiro pessoal.
Meus amigos foram meus primeiros clientes. Finalmente engravidei da minha filha, depois de uma gravidez interrompida.
Em 2008, minha filha tinha 3 anos e eu, 35. Descobri meu primeiro câncer de mama. Eu estava passando por uma fase já bastante difícil com a minha mãe. Ela havia sido diagnosticada com um tumor no cérebro, fruto de uma metástase de um câncer de mama.
Quando minha filha nasceu, eu tinha feito um seguro de vida com cobertura de doenças graves. Só que eu perdi esse seguro três meses antes de ter o diagnóstico. Meu cartão de crédito tinha sido clonado, foi cancelado e o seguro estava em débito automático. E eu com essa loucura da minha mãe, nem lembrava disso.
O seguro teria pago minha cirurgia e me dado uma tranquilidade. Eu tinha plano de saúde, mas o médico e a fisioterapia para recuperar os movimentos do braço eu paguei particular. Eu estava no começo de uma nova carreira, construindo a minha renda, então eu tinha uma reserva para me bancar naquele período.
Naquela época, eu trabalhava administrando carteiras de investimentos de pessoas físicas. Após anos de alta na bolsa, a maioria dos clientes investia em fundos de ações. Fiz a cirurgia para retirar as duas mamas em outubro e passei o mês de molho em casa, me preparando para a quimioterapia.
Nesse momento, ocorreu a pior crise financeira dos últimos anos. Os clientes estavam tensos, preocupados com a queda das ações e dos fundos. Orientei a esperar, pois as decisões tomadas nesses momentos são as piores.
Minha vontade era dizer para as pessoas ficarem tranquilas, pois era “só” uma crise financeira e, se acontecesse alguma coisa, elas perderiam “só” um pouco de dinheiro. A perda de uma aplicação deles não era definitivamente nada, nada mesmo, perto da crise que eu estava vivendo.
Durante a quimioterapia, percebi que meu casamento não estava legal, mas eu não tinha forças para pensar naquilo. Assim que o tratamento terminou, pedi o divórcio. Estava fragilizada, sem cabelo e com a quimioterapia em curso, mas queria mostrar à minha filha que a gente sempre consegue achar opções para ser feliz na vida, mesmo em meio ao caos. Meses depois, conheci meu atual marido.
Em 2013, vieram mais baques. Minha mãe morreu e, meses depois, tive câncer de mama pela segunda vez. O tumor havia aparecido em um tecido remanescente da mama, que não tinha sido retirado. Dessa vez, passei a lidar com a doença de outra maneira. Decidi que não usaria peruca.
No mundo corporativo chamam de “feeling” – é a nossa intuição. O melhor é que esse “equipamento” já vem de fábrica, todos nós nascemos com ele, basta aprender a usá-lo.
Isso tudo me fez enxergar o planejamento financeiro de uma outra maneira. Quando eu tive o câncer a primeira vez, eu tinha um planejamento com meu ex-marido. Eu tinha uma planilha com questões como, onde eu queria morar, quanto dinheiro eu queria juntar, e estava lutando para alcançar aquelas metas. Quando eu tive o câncer, eu percebi que estava em um relacionamento infeliz e que eu negligenciava o que me fazia mal para atingir as metas.
Percebi que as coisas mudam de uma hora para outra e que viver pensando no futuro não é viver. Não adianta o nosso plano financeiro dar certo e a gente não dar certo, a nossa felicidade não dar certo.
Depois que eu tive câncer, foi muito difícil voltar a ter um planejamento financeiro. Eu sempre fui muito controlada, mas depois do câncer eu não queria mais ter controle financeiro. Durante uma época, eu pensei que eu não tinha que ter metas e só sentir minha intuição.
Vivendo o que eu tinha que viver, eu alcançaria os meus propósitos. Até que chegou um ano em que, fazendo meu imposto de renda, percebi que meu dinheiro tinha sumido. Caiu a ficha que eu precisava encontrar um equilíbrio e cuidar melhor do meu dinheiro, assim como eu cuidava do dinheiro dos outros.
Comecei a escrever o que eu sentia para exorcizar meus fantasmas e percebi que eu poderia ajudar outras pessoas compartilhando a minha história. Perdi meu irmão na infância em um acidente de carro, tive dois cânceres de mama, me divorciei durante a quimioterapia, perdi minha mãe com metástase. Quantas pessoas passam por tudo isso?
Comecei a fazer palestras e escrevi um livro. Criei um curso de finanças online para mulheres e um método de planejamento financeiro que busca juntar a intuição e a emoção com o orçamento, chamado “Vivificar”. Cada letra é um módulo do método, começando pelos valores até chegar em ressignificação.
O dinheiro é muito emocional. No planejamento financeiro, as pessoas percebem que têm angústias que não fazem sentido. Olho as finanças como uma base para a qualidade de vida.
Cuidar do dinheiro é ter liberdade para poder fazer escolhas, sem ter que se render a um trabalho que você não gosta ou a um casamento em que você não quer estar. É poder mudar coisas que não te fazem feliz."
Fonte: Viviane Ferreira, Em depoimento ao Valor Investe
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